onde ele embarcaria, porque naquele tempo toda a família acompanhava até o porto quem ia para a Europa. Conhecemos então o naviozinho alemão de classe turística no qual ele ia embarcar. Não era um grande navio, mas era um mimo: todo ele com boiseries, possuindo um bar magnífico com sanduichérrimos, pães pretos de perder a cabeça, butter em quantidade, licores, bebidas. De bebida nunca fiz muita questão, mas os rótulos me encantavam. E as estantes estavam cheias de bebidas. E comi nesse navio. Depois desci do navio e voltei para Santos, com a ideia de que provavelmente nunca poderia ir à Europa por falta de dinheiro. E à noite, ainda em Santos, eu jantava, não jururu, mas contente, no restaurante Marreiro. Entrava muito em tudo isto um gosto enorme pelo sossego, pela aprazibilidade das coisas, e a ideia de que qualquer coisa que se goste com agitação está mal gostado, que o sossego é o grande deleite da vida – logo eu, que tive uma vida tão desassossegada! – e que viver sem sossego não vale nada. Sustento que, do ponto de vista do tirar partido da vida, a primeira coisa é: procurem o sossego. Optei pelo sossego em todos os campos da vida71.
*
Sei que, pelo favor de Nossa Senhora, tenho tomado atitudes muito corajosas ao longo de minha vida, atitudes quase temerárias, em que tenho jogado tudo. Mas no fundo do meu espírito existe muito do espírito securitário português, o qual me leva a pesar o pró e o contra até o último ponto. E em geral me resolvo só depois de tudo muito pensado, e levando em conta muito mais o temor do contra, do que o desejo da vantagem do pró. Quer dizer, muito mais em atitude de defesa do que em atitude de ataque72. Propensão para viver numa clave transcendente, aristocrática e grandiosa Aqui no Brasil os senhores sabem que é muito comum encontrar pelos caminhos pedras que não têm nada de precioso, mas com um colorido 71 CSN 2/2/85 72 CSN 15/6/91 1ª PARTE – O MENINO PLINIO 45