Propensão para a lógica e a clareza de expressão Tenho uma propensão para a lógica e uma facilidade para raciocinar, para dispor as coisas logicamente. Na disposição temperamental que descrevi nos itens anteriores, a lógica aparece com força de convicção, com garra e com uma evidência de manifestação da verdade. Nessa posição temperamental, as premissas se põem tão claras, tão imparciais, tão limpas, tão objetivas, que as conclusões são como alicerçadas sobre rochas. E daí a facilidade de formar muitas certezas sem esforços sobre-humanos. De onde uma lógica muito grande, procedente dessa placidez de temperamento, mas chegando à dedução de ferro de que simplesmente ceder a essa placidez seria uma indecência. Há ocasiões em que, o que estou eufemisticamente chamando de placidez, é na verdade preguiça, indolência, negação do valor das coisas e no fundo uma displicência budística. Daí a necessidade de reagir, de deitar força, arrancando essa força de si mesmo custe o que custar, até às últimas consequências, para cumprir o dever. É a consequência dessa lógica. Temos então a lógica empenhada em arrancar e impor ao meu temperamento aquilo que é o mais difícil para o preguiçoso: um estado de mobilidade contínua, em que a qualquer momento ele esteja disposto a qualquer esforço, por maior que seja, por mais contrário ao seu temperamento que seja, desde que a lógica mande que aquilo deva ser feito. O que não for isto – repito – é uma indecência. Daí nascer uma força que é plácida, como plácido é o temperamento, mas que é ao mesmo tempo implacável, porque a lógica de si é implacável. Fazemos o raciocínio, estamos certos de suas premissas, está certa sua conclusão, aquilo tem que ser obedecido sob pena de ser uma indecência. Qualquer que seja o sacrifício, é preciso fazer, e tem de fazer, e não tem remédio. Isto é outro aspecto da truculência, que é também, de um lado, chegar às últimas consequências contra a preguiça, a indolência, a displicência. E de outro lado, chegar às últimas consequências no cumprimento do dever, pegando a preguiça pelo gasnate e obrigando-a a se transformar numa mobilidade disponível a todo momento, e pronta para qualquer coisa. Se os senhores tiverem o mau gosto de prestar atenção no meu modo de ser, encontrarão traços do que estou dizendo em muitas atitudes, deliberações, ditos, palavras e resoluções que tomo. Não me explico bem como é que, de tanta moleza, nasceu essa energia implacável. Sou levado a atribuir a uma ação da graça. 1ª PARTE – O MENINO PLINIO 51